Snow Ball Earth e a evolução da Vida multicelular
O Neoproterozóico foi um período na história da Terra marcado por mudanças climáticas extremas resultantes das postuladas glaciações globais da Terra “Bola de Neve” (~ 760 - 580 Milhões de anos) e subsequentes condições de efeito-de-estufa, mudanças importantes na geoquímica dos oceanos, a estratificação e oxigenação oceânica, e a evolução sem precedentes do biota marinho.
O final do Neoproterozóico assistiu talvez ao mais dramático dos eventos climáticos globais na história da Terra. Considera-se a hipótese de que ocorreram várias glaciações globais, mesmo ao ponto de formarem glaciares no equador com gelo marinho tropical de 1 km de espessura. Calcula-se que as glaciações teriam durado cerca de 10 milhões anos.
Com o ciclo do carbono interrompido, devido ao facto dos oceanos estarem congelados, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera (proveniente das emissões vulcânicas), acabou por resultar em condições de efeito-de-estufa e consequente degelo. Os eventos de degelo provavelmente também terão sido muito dramáticos, com ventos e ondas nunca antes ou depois vistos no planeta Terra.
Existe uma grande controvérsia no que diz respeito à latitude provável da formação dos glaciares. A descoberta de que as camadas de gelo do final do Neoproterozóico se terão estendido ao nível do mar, perto do equador, representa um enigma paleoambiental. Teria atingido a obliquidade orbital da Terra maior que 60º fazendo com que os trópicos ficassem mais frios do que os pólos? Ou terá o clima arrefecido globalmente, por algum motivo, ao ponto do albedo da superfície terrestre (fracção da luz solar reflectida para o espaço) criar uma Terra “Bola de Neve”? Segundo alguns autores, a hipótese de alta obliquidade da Terra não leva em conta as principais características do registro glacial Neoproterozóico.
Assim, as grandes porções das massas continentais provavelmente estavam dentro de baixas a médias latitudes, durante o período glaciar do Neoproterozóico, uma situação que não foi encontrada em qualquer momento posterior na história da Terra. Tal facto terá tido um impacto fundamental sobre o clima global, uma vez que a maioria da energia solar absorvida pela Terra hoje fica retida nos oceanos tropicais, em contraste com os continentes que são relativamente bons refletores e os oceanos em altas latitudes que muitas vezes estão cobertos por nevoeiro ou nuvens. Além disso, se as extensas áreas de mares pouco profundos, epicontinentais, estavam localizadas na faixa delimitada pelos trópicos, uma ligeira queda no nível do mar terá convertido grandes áreas da superfície oceânica, onde se dava a absorção de energia, em superfície rochosa altamente reflexiva, talvez aumentando a tendência glaciar. Por outro lado, a fuga a uma Terra “Bola de Neve” permanente terá resultado presumivelmente da acumulação gradual de gases de efeito estufa, provenientes das emissões vulcânicas. Além disso, o período de glaciações terá terminado abruptamente, especialmente a baixas latitudes.
O período de glaciações do Neoproterozóico marca um importante ponto de viragem na evolução da vida. Embora tenha sido precedido pela abundante evidência da presença de organismos Protistas unicelulares, é seguido pelo primeiro registro claro de animais multicelulares (a fauna de Ediacara) e logo em seguida pelo aparecimento da fauna com esqueletos mineralizadas do Câmbrico. Alguns autores sugeriram que estas mudanças evolutivas foram possíveis devido às glaciações, uma vez que a remoção periódica de toda a vida, a partir das latitudes mais altas, criaria uma série de “sorteios pós-glaciários”, talvez permitindo o estabelecimento de novas formas, livres da competição de um biota preexistente.